Com inteligência artificial, pesquisa da USP decifra papiro carbonizado há quase 2 mil anos e ganha prêmio internacional
25/02/2024
(Foto: Reprodução) Equipe do Instituto de Física de São Carlos ganhou 50 mil dólares no Vesuvius Challenge 2023. Documento foi soterrado em erupção vulcânica, na Itália, na época do Império Romano. Inteligência artificial lê biblioteca que vulcão enterrou
Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), ficaram em segundo lugar e ganharam 50 mil dólares no concurso 'Vesuvius Challenge 2023', que tinha, como objetivo, identificar os escritos de um papiro que foi carbonizado e soterrado durante uma erupção vulcânica, na Itália, em 79 d.C.
Como os documentos não podem ser abertos para leitura pelo risco de se deteriorarem, os pesquisadores brasileiros contaram com a ajuda de inteligência artificial no processo. (veja abaixo como foi o trabalho).
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Pesquisadores da USP ficam em 2º lugar em concurso para decifrar papiro carbonizado durante erupção do Vesúvio
Divulgação
Como foi o trabalho dos pesquisadores?
Os papiros eram folhas produzidas a partir de uma planta. Os documentos, que estavam numa biblioteca na cidade de Herculano, na Itália, foram carbonizados há quase 2 mil anos, depois da erupção do vulcão Vesúvio.
O material foi encontrado no século 18 e, desde então, vários métodos foram usados pra abrir os rolos de papiro, mas sem sucesso já que o material queimado é muito frágil.
Redes neurais, aprendizado de máquina e visão computacional foram usados para auxiliar no trabalho. O processo foi o seguinte:
1️⃣ - Primeiro a organização do concurso escaneou quatro papiros com a ajuda de tomografia computadorizada de raio X. O programa de computador também desenrolou os documentos em 3D e assim foi possível abrir os papiros.
O pesquisador do IFSC da USP São Carlos Leonardo Scabini
Rodrigo Sargaço/EPTV
2️⃣ - Depois, os participantes do concurso usaram a inteligência artificial para identificar a tinta nos manuscritos. O problema é que essa tinta era feita à base de carvão e, num primeiro momento, foi difícil ver diferença entre o papiro carbonizado e o texto escrito. Só com os códigos numéricos foi possível identificar as regiões com e sem tinta.
"Para não desenrolar fisicamente e destruir ele, porque ele virou um pedaço de carvão, é feita essa tomografia com raio X e a gente faz uma reconstrução em 3D no computador. Mas mesmo depois disso, o papiro ainda está enrolado, a gente desenrola virtualmente. Mesmo assim é muito difícil ver tinta, ver qualquer indício de escrita. E aí que entra a inteligência artificial para detectar sinais onde pode haver tinta", explicou pesquisador do IFSC Leonardo Scabini .
"Aí a gente marca essas tintas e mostra pra inteligência artificial e fala: 'olha isso aqui é tinta, acha mais pra gente'. E esse treinamento é feito e depois a gente tem detecções de tinta em pedaços muito pequenos do papiro e, juntos, formam letras palavras e o texto todo em si", afirmou Scabini.
3️⃣ - O material foi enviado a especialistas, que decifraram o conteúdo dos papiros. Até o momento, os cientistas de São Carlos, junto com os outros pesquisadores internacionais, conseguiram ler somente 5% material e ainda há muito trabalho pela frente.
"A gente já tem dados de mais quatro pergaminhos, então o desafio propõe a leitura de pelo menos 90% até o final desse ano. Nosso time vai continuar tentando melhorar nossa inteligência artificial para isso", destacou o pesquisador.
"Ser o único time brasileiro no meio disso e principalmente ter sido premiado é um orgulho para mostrar a capacidade da ciência brasileira, que é muito competitiva internacionalmente, apesar da diferença de de recurso de investimento. Com certeza é muito inspirador isso", destacou Scabini.
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O que diz o papiro escrito por filósofo grego?
Inteligência artificial foi usada por pesquisadores da USP para dentificar os escritos de um papiro que foi carbonizado e soterrado
Reprodução/EPTV
O texto do papiro foi escrito em grego e fala sobre os prazeres da música e da comida e tem um teor filosófico epicurista, que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de ausência de medo.
O grego Epicuro viveu entre 341 e 271 antes de Cristo. Os pesquisadores acreditam que o texto foi escrito pelo filósofo grego Filodemo, que viveu entre 110 a.C. e 35 a.C.
Os documentos são conhecidos como "papiros de Herculano", nome da cidade onde foram encontrados.
Equipe vencedora do concurso
Papiros decifrados por equipes de pesquisadores do mundo todo
Vesuvius Challenge 2023/Divulgação
O “Desafio do Vesúvio” – ou “Vesuvius Challenge” – foi lançado em março de 2023 para reunir os pesquisadores de todo o mundo para lerem os pergaminhos de “Herculano”.
Apenas quatro equipes ao redor do mundo desenvolveram métodos capazes de decifrar os escritos do papiro. A comissão do concurso julgou de acordo com a legibilidade das sentenças.
O prêmio principal foi destinado à equipe que conseguiu ler uma frase inteira, "desenrolar os rolos" e identificar todas as letras do pergaminho.
A equipe, composta por um egípcio, doutorando na Freie University, na Alemanha, por um estagiário da empresa Space X e estudante de ciência da computação da University of Nebraska, nos Estados Unidos, e por um estudante de robótica do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, dividiu o prêmio de US$ 700 mil.
Outros dois times empataram em segundo lugar, assim como a equipe de São Carlos.
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